12.7.06

Cumprindo o papel da Imprensa III

Seguindo a indicação do blog do Juca Kfouri - de quem sou fã - li que a renomada revista alemã Der Spiegel publicou uma reportagem em que se pergunta se a FIFA anularia o título da Itália caso ficasse comprovada o insulto de cunho racista do zagueiro Materazzi a Zidane na final da Copa. Desde que uma onda de manifestações racistas e até mesmo nazistas elegeu os estádios e partidas de futebol como palco, a entidade futebolística máxima formulou uma série de medidas legais duras contra quem fizer ou der suporte a atos de racismo.

Refazendo o caminho: Materazzi insulta Zidane, que revida com uma cabeçada e é expulso de campo. A França perde seu principal jogador, se desestabiliza e a Itália é campeã (tetracampeã). Organizações anti-racismo alegam que houve ofença racial ou étnica e é instaurado inquérito para se apurar o que realmente aconteceu. Dias e muita celeuma depois, Zidane vem a público e esclarece que tudo não passou de ofensas pessoais e à suas queridas mãezinha e irmã. Vale lembrar um detalhe, no mínimo, curioso: se a coisa toda fosse caracterizada como racismo, a decisão da Copa do Mundo '06 seria definida com base em punição por crime de discriminação racial - a Itália seria desclassificada e à França caberia o título. Seria demais até para o mais liberal dos espíritos. Se isso realmente acontecesse, aí sim, os campos de futebol na Europa se tornariam um inferno de agressões racistas. Tem horas que o melhor parece ser ficar calado. E, pra todos os efeitos, Zizou já lavou a honra da família.


Essa história toda me faz pensar no que está acontecendo no Brasil com respeito à aprovação do Estatudo da Igualdade Racial, que tramita no Congresso Nacional. Se passar, o Estatuto forçará o Estado a resguardar uma parcela significativa das vagas em instituições públicas de ensino superior para negros, mulatos e indígenas. Uma parcela significativa da população que não tem acesso a educação básica de qualidade, saúde, segurança, nem será suportada por programas de assistência ao estudante universitário carente (porque o governo não tem - é preciso que as universidades recolham contribuições para o fundo de bolsas, o que é ilegal, e preste auxílio ao estudante carente; como é o caso da UFMG com a FUMP) entrará para a universidade por causa de sua cor de pele ou origem social. A universidade é uma meritocracia, e deve permanecer assim, porque esse é seu caráter - deve recolher e investir nos melhores. O problema e sua solução não passam por "enfiar" os desposuídos e historicamente alijados de seus direitos dentro das instituições. É preciso dar condições de competitividade pelas vagas - o acesso a elas é o bom ensino fundamental e médio (que hoje só tem quem estuda em escolas particulares - mas quem estuda em boas escolas públicas, como o CEFET-MG ou o COLTEC, tem grandes chances, o que prova que é possível ensino público de alta qualidade). Nem adianta querer com programas de "igualdade racial" esconder que o problema do ensino superior tem a ver com o sucateamente das Federais, com o número insuficiente de professores e a necessidade de criação de novas vagas.

Se basearmos as "ações afirmativas" em "ações de (falsa) piedade", e ao invés de igualarmos condições reais, emularmos o paraíso por meio e na legislação, podemos ter o pleno estabelecimento de um sentimento de ressentimento entre raças à lá América, fazendo com que estudantes que se considerem ou forem considerados brancos e pobres se sintam prejudicados por estudantes negros ou indígenas. É "facil" operar com essas categorias na Europa ou nos EUA, mas aqui não é. Estamos produzindo coisas absurdas como Skinheads mulatos, que por razões óbvias não poderem atacar negros, então atacam nordestinos ou homossexuais. Não podemos deixar que se estabeleça entre nós a cultura do ressentimento. Somos racistas, sofremos profundamente com um racismo discimulado, que pode doer muito mais e ser muito mais difícil de curar - mas a cura não me parece passar por um "racismo institucionalizado", pela segregação. Teremos igualdade racial, quanto estabelecermos a medida da igualdade na garantida da plena cidadania a todos - seja quem for. Às vezes, pode ser melhor deixar a taça com a Itália, e nos mantermos os melhores jogadores do mundo - e argelinos.