O II Encontro Nacional da
Rede Brasileira de Cosmovisão Cristã e Transformação Integral, em julho de 2006, foi particularmente prolífico. Tivemos conferências extremamente interessantes, como a ministrada por Andrew Fellows (
elder de
L'Abri Inglaterra) sobre fantasia e imaginação na atualidade como manifestação presente dos esquemas de pensamento idólatras e icônicas. O ídolo pretende encerrar a realidade última e causa primeira da realidade em sí mesmo, mesmo sendo criação - ou seja, usurpa o lugar do Criador -, e produz fantasia, que é o deslocamento e distanciamento da realidade.
Por sua vez, o ícone, justamente por saber que sequer pode conter a realidade última e causa primeira, faz somente remeter ao Criador, presentifica a idéia por um símbolo, apontando para além ao invés de tentar capturar a mente de quem olha. A atividade mental que gera é a imaginação, uma disposição de pensar para além dos estados atuais, mas enraizado na própria realidade, coerente e disposta a lidar com ela.
A importância desse esquema é fornecer categorias importantes para o julgamento da coerência da mensagem cristã contemporânea. Um cristianismo incapaz de lidar com a realidade só pode gerar alternativas escapistas por meio de fantasias que produzem representações não meramente equivocadas, mas enganosas, mentirosas e malígnas sobre a condição humana. Só pode oferecer um estado de entorpecimento e semi-consciência para os que ainda estão "encarnados" até que se livrem do clausura do corpo e ascendam à realidade superior da vida nos céus celestiais; e se antes, ao menos, o que se propunha era uma resistência ascética a qualquer prazer irracional mundano (vide A festa de Babette), que toma a vida terrena como ante-sala da eternidade e repleta de pegadinhas e armadilhas desclassificadoras, hoje apregoa-se o contrário ao melhor estilo
comamos e bebamos, pois amanhã seremos perdoados. Essa religião faz somente produzir ídolos, é caidamente dos homens, pois este em seus estado natural é
fabrica idolorum - fábrica de ídolos.
Isso é o que Darrow Miller, schaefferianamente, chamou de
gnosticismo evangélico.
Contrariamente posiciona-se a imaginação. Numa mente restaurada pela revelação, ciente da veracidade da tríade criação-queda-redenção, encontra-se o conhecimento da natureza e propósitos iniciais da criação, da realidade da queda, a capacidade de avaliar seus efeitos e distorções, e esperança e graça para restaurar todas as coisas para um D'us que a tudo criou e que, em seu Filho, a tudo consigo reconciliará. É, também, capaz de avaliar e projetar, presentificar ao invés de ausentar por fuga. A imaginação celebra a criação por causa do Criador, fixa os pés na realidade por saber que é em propósito boa. Sobretudo: sabe que queda e criação não são equivalentes.
O problema é que isso exige discípulos despertos, ativos, construtores e envolvidos em todas as esferas da vida - porque todas devem ser rendidas à Soberania de D'us. No nosso caso, brasileiro, exige a desconstrução de boa parte de nosso evangelicalismo. Exige que a "fina camada escura que cobre a realidade", as ideologias, como diria Marx, seja levantada revelando toda a tristesa, deformação, queda e pecado, mas ao mesmo tempo revelando a beleza divina do Evangelho que é Verdade Total (referência o excepcional livro de Nancy Pearcey) de e para toda a realidade (não somente um conjunto de verdades religiosas, como disse Schaeffer) capaz de transformar e santificar - e essa beleza só se manifesta na medida em que transforma, na medida em que toca o terror de nossa situação, se revela ao operar, ao fazer, e não na mera conteplação.
Isso quer dizer que a Vontade Divina é a redenção de todas as coisas. Logo o Evangelho é remédio para todos os males, potente o suficiente para curá-los todos. O engraçado é que isso, ao invés de trazer esperança e alegria, em muitos provocou e provoca revolta. No que Olavo de Carvalho e outros chamam de
típica atitude pessimista, depressiva e ressentida dos brasileiros, levantou-se a acusação de que esse tipo de pregação pretende dizer que um certo grupo, de posse dessa "narrativa", detém conhecimento e poderes para resolver e consertar o mundo. Cunhou-se até termo jocoso: Genebra intelectual.
Ou seja, pra certas gentes tupiniquins (e não são poucas), a verdadeira posição dos filhos de D'us é o lugar da derrota, resignação e apatia. A Igreja de um Evangelho poderoso assim é escandalo para esses ouvidos. É uma espécie de Império, de
bushismo ou chauvinismo religioso e intelectual. A antítese em relação à mente mundana é fundamentalismo, portanto, mas a síntese simbionte com o século é piedosa e própria da atitude cristã... patético.
Sinceramente, nessas horas, eu não sei bem o que fazer. Talvez, se não me restassem esperanças, fizesse eu como Stefan Zweig, que após escrever que o Brasil era o país do futuro meteu uma bala na cachola. Com cristãos assim, quem precisa de perseguidores? E o que é mais triste: saber o que vai acontecer com quem enterra os talentos, esconte as lâmpadas e enganam os pequeninos.
Lembra do que aconteceu com o camarada que fugiu da caverna quando voltou pra falar com os companhiros na fábula de Platão?