26.3.07

Não, eu não estou precisando de um abraço

Eu nunca me meti em polêmicas. Tudo bem, em algumas. Mas tão insignificates, ou estando eu tão distante de seu epicentro, que minhas contribuições não ajudaram a fazer tremer as estruturas nem mais um ínfimo milímetro. Nem mesmo aqui, no universo blogger, onde minha estrela é a menor, cheguei a me meter em disputas. É verdade que houve o caso d'Os Fraldinhas, mas a insignificância dos debatedores prontamente ofuscou a coisa toda.

Meus leitores, se há algum - desconfio que as visitas no contador sejam de servidores varrendo a rede (veja esses dots suspeitíssimos na Indonésia, Irã e EUA...) -, parecem não ver nos textos qualquer ponto digno de nota ou disputa. Tudo bem que, vez ou outra, alguma coisa aparece.


Gostaria, tão somente, de perguntar ao caros leitores:

  • os temas dos posts desse blog são "fechados" e dispensam comentário
  • esse blog tem temas que não merecem comentários
  • esse sujeito não sabe sobre o que quer falar
  • ninguém lê esse blog
  • meudeus! como esse cara é chato...
Digaí. Abraço.

22.3.07

Não é um conto

Andavam sobre dois pés. Levemente curvados, e sempre carregando alguma coisa. Às vezes encontravam outras coisas mais ou menos interessante no caminho - isso na verdade não importava: tudo era monótono, mas momentameamente novidade quando catado... até que percebida a igualdade e inutilidade. Mas o monótono cumpre a função de regularidade.

Caminhar sobre dois pés não era novidade - na verdade não conheciam ninguém que não o fizesse assim. Mas gostavam de se lembrar que podiam fazer isso: qualquer coisa que marcasse alguma semelhança com os demais. Às vezes sonhavam em caminhar como os cães, e rolar na grama serenada. Mas já não havia grama, e sereno era algo muito perigoso: as convulsões não chegavam a matar, mas deixavam muita dor quando passavam.

A dor era por causa dos pés? Se andassem como os cães seriam mais felizes? Mas tentar, outra vez, ser como os outros era uma completa impossibilidade - demorado e terrível demais. E se deixassem de levar coisas? Nem pensar: aí precisariam de casas, e ter casas era dar motivos para precisar andar fugido, e, agora, ao menos, andavam porque queriam. E a casa são as coisas que se carrega. Não há nada para carregar - mas andar sem nada causa mais dor do que aquela dos pés. O melhor é aguentar, e mordiscar os pés como os cães.

As cinco pedras nos bolsos seriam o suficiente pra espantar os malvados. Mas atirá-las era correr o risco de não poder lançar os fundamentos das casas quando isso fosse possível. E, imagine!, ter grama e orvalho e não poder constriuir casa! Que se agüente os malvados, como a dor nos pés. E as pedras não são como as coisas... não são monótonas, mas são sempre as mesmas; como parte que vale como todo: perdê-las era voltar a ser como os cães. Mas não era exatamente isso o que às vezes queriam?

21.3.07

Em boa hora

Tem hora que a gente se desespera, acha que não vai haver jeito. Mas aí aparecem coisas que salvam o dia. Hoje foi essa grata surpresa: o chlog do Nilson Bispodejesus [nota: charge + blog = chlog]. O Nilson é um amigo e um artista de mão cheia - e se revela um chargista agudo. Bom, não vou ficar aqui fazendo elogios e descrições: toca pra lá, rapaz!

A caverna é aqui

O II Encontro Nacional da Rede Brasileira de Cosmovisão Cristã e Transformação Integral, em julho de 2006, foi particularmente prolífico. Tivemos conferências extremamente interessantes, como a ministrada por Andrew Fellows (elder de L'Abri Inglaterra) sobre fantasia e imaginação na atualidade como manifestação presente dos esquemas de pensamento idólatras e icônicas. O ídolo pretende encerrar a realidade última e causa primeira da realidade em sí mesmo, mesmo sendo criação - ou seja, usurpa o lugar do Criador -, e produz fantasia, que é o deslocamento e distanciamento da realidade.

Por sua vez, o ícone, justamente por saber que sequer pode conter a realidade última e causa primeira, faz somente remeter ao Criador, presentifica a idéia por um símbolo, apontando para além ao invés de tentar capturar a mente de quem olha. A atividade mental que gera é a imaginação, uma disposição de pensar para além dos estados atuais, mas enraizado na própria realidade, coerente e disposta a lidar com ela.

A importância desse esquema é fornecer categorias importantes para o julgamento da coerência da mensagem cristã contemporânea. Um cristianismo incapaz de lidar com a realidade só pode gerar alternativas escapistas por meio de fantasias que produzem representações não meramente equivocadas, mas enganosas, mentirosas e malígnas sobre a condição humana. Só pode oferecer um estado de entorpecimento e semi-consciência para os que ainda estão "encarnados" até que se livrem do clausura do corpo e ascendam à realidade superior da vida nos céus celestiais; e se antes, ao menos, o que se propunha era uma resistência ascética a qualquer prazer irracional mundano (vide A festa de Babette), que toma a vida terrena como ante-sala da eternidade e repleta de pegadinhas e armadilhas desclassificadoras, hoje apregoa-se o contrário ao melhor estilo comamos e bebamos, pois amanhã seremos perdoados. Essa religião faz somente produzir ídolos, é caidamente dos homens, pois este em seus estado natural é fabrica idolorum - fábrica de ídolos.

Isso é o que Darrow Miller, schaefferianamente, chamou de gnosticismo evangélico.

Contrariamente posiciona-se a imaginação. Numa mente restaurada pela revelação, ciente da veracidade da tríade criação-queda-redenção, encontra-se o conhecimento da natureza e propósitos iniciais da criação, da realidade da queda, a capacidade de avaliar seus efeitos e distorções, e esperança e graça para restaurar todas as coisas para um D'us que a tudo criou e que, em seu Filho, a tudo consigo reconciliará. É, também, capaz de avaliar e projetar, presentificar ao invés de ausentar por fuga. A imaginação celebra a criação por causa do Criador, fixa os pés na realidade por saber que é em propósito boa. Sobretudo: sabe que queda e criação não são equivalentes.

O problema é que isso exige discípulos despertos, ativos, construtores e envolvidos em todas as esferas da vida - porque todas devem ser rendidas à Soberania de D'us. No nosso caso, brasileiro, exige a desconstrução de boa parte de nosso evangelicalismo. Exige que a "fina camada escura que cobre a realidade", as ideologias, como diria Marx, seja levantada revelando toda a tristesa, deformação, queda e pecado, mas ao mesmo tempo revelando a beleza divina do Evangelho que é Verdade Total (referência o excepcional livro de Nancy Pearcey) de e para toda a realidade (não somente um conjunto de verdades religiosas, como disse Schaeffer) capaz de transformar e santificar - e essa beleza só se manifesta na medida em que transforma, na medida em que toca o terror de nossa situação, se revela ao operar, ao fazer, e não na mera conteplação.

Isso quer dizer que a Vontade Divina é a redenção de todas as coisas. Logo o Evangelho é remédio para todos os males, potente o suficiente para curá-los todos. O engraçado é que isso, ao invés de trazer esperança e alegria, em muitos provocou e provoca revolta. No que Olavo de Carvalho e outros chamam de típica atitude pessimista, depressiva e ressentida dos brasileiros, levantou-se a acusação de que esse tipo de pregação pretende dizer que um certo grupo, de posse dessa "narrativa", detém conhecimento e poderes para resolver e consertar o mundo. Cunhou-se até termo jocoso: Genebra intelectual.

Ou seja, pra certas gentes tupiniquins (e não são poucas), a verdadeira posição dos filhos de D'us é o lugar da derrota, resignação e apatia. A Igreja de um Evangelho poderoso assim é escandalo para esses ouvidos. É uma espécie de Império, de bushismo ou chauvinismo religioso e intelectual. A antítese em relação à mente mundana é fundamentalismo, portanto, mas a síntese simbionte com o século é piedosa e própria da atitude cristã... patético.

Sinceramente, nessas horas, eu não sei bem o que fazer. Talvez, se não me restassem esperanças, fizesse eu como Stefan Zweig, que após escrever que o Brasil era o país do futuro meteu uma bala na cachola. Com cristãos assim, quem precisa de perseguidores? E o que é mais triste: saber o que vai acontecer com quem enterra os talentos, esconte as lâmpadas e enganam os pequeninos.

Lembra do que aconteceu com o camarada que fugiu da caverna quando voltou pra falar com os companhiros na fábula de Platão?

20.3.07

Estética da empulhação

O diretor de desenvolvimento da Micro$oft® Brasil foi entrevistado pela rádio CBN por ocasião do lançamento do Windows Vista®. Era um entrevista de estúdio. O âncora, não me lembro se era o Dimenstein, soltou de cara: quais são as novidades no Vista®? E a resposta veio rápida e seca: temos uma nova interface gráfica... [silêncio]. Segunda tentativa: sim, mas quais são as novidades, as novas ferramentas? (...)bom, as novidades são tantas que só experimentando é que o usuário saberá. [silêncio constrangedor, fim da estrevista].

Isso aconteceu, e posso ter me esquecido de algum detalhe (como dizia o Glauber, a memória é uma ilha de edição). Ok, eu não vou falar sobre software livre, ou GNU/Linux, ou descer o cacete no Windows® ou na Micro$oft®. Já não preciso fazer isso. O fato é simplesmente ilustrativo - e se aconteceu com um executivo da empresa do Bill, que farei eu?

Mas é isso, em maior ou menor grau, o que acontece em nossos dias. Num sistema social em que todas as disputas importantes são decididas por uma tecnocracia pretensamente isenta, em processos cada vez mais ocultados dos cidadãos, não há que se saber como as coisas funcionam, quem controla as catracas e onde os esqueletos são guardados: o que todo mundo quer saber é se o resultado é bonitinho. Leia-se politicamente correto. E uma ocupação cada vez mais requisitada por aí é o maquiador de resutados.

A coisa funciona mais ou menos assim: toma-se um tema que já está presente e altamente considerado pelas pessoas - como uma política social de inclusão. Apresenta-se o diagnóstico, problemas e desafios, segue-se a esposição do projeto, metodologia, metas, benefícios. Posteriormente, editam-se gráficos, books, filmes e vídeos belos e empolgantes de como a comunidade ou segmentos foram transformados.

Correto em todos os pontos: motivação, projeto, método, execução e resultados. Tudo bonitinho.

E ninguém, obviamente, sabe como as coisas funcionam. Quem alimenta o esquema, quem o orienta, o corpo de executores, a propriedade e pertinência... e questinar qualquer desses pontos é imoral, deplorável e criminoso. Como se o motivo a tudo justificasse e redimisse quaisquer erro ou descaminho.

Acredito que o leitor já reconhece o esquema em sua expressão real.

Como no caso dos sistemas operacionais computacionais, desinformação associada com um julgamento por critérios estéticos, de gosto - subjetivos, pessoais e "intraduzíveis" - resultam em vulnerabilidade, poderes ocultos, desrespeito, medo, cerceamento de liberdades e ineficiência.

Saber como as coisas funcionam significa conhecer as entranhas, as sujeiras, viscosidades, odores e coisas dessa espécie; significa expor. Da mesma forma que ninguém em sã consciência prefere cobrir um ferimento com bandagens, cremes e maquiagens para recompor o aspecto sadio ao invés de tratamento médico com seus bisturis, iodo, agulhas tesouras e pontos, a atitude de relegar o que importa a não se sabe quem e apenas requerer as amenidades decorativas é um descaminho, imbecilidade.

Que bombas que nada! Para destruir o mundo basta transformar tudo em entretenimento: apaziguam a alma e desligam a mente.

19.3.07

Porque às vezes dá vontade de escrever...

Muitos escritores já falaram sobre a angústia de encarar a página em branco. Na verdade, quase todos falam alguma coisa assim quando indagados sobre o processo criativo, como o trabalho flui ou aparece. Alguns falam de dias de sofrimento até que aquele instante quase religioso, místico, intuitivo, aconteça e se sigam horas ou dias de escrita frenética, uma espécie de psicografia, como diria Lobão (desde Jung e a "consciência coletiva", a imagem de um autor que media um fluxo de idéias de algum 3o mundo meta-autoral e o papel parece ser fundamental para a idéia ou mito da atividade criativa).

Eu não sou um escritor. Escrevo mal: sequer domino a língua o suficiente. Mas o domínio da língua somente não basta; não tenho idéias, no máximo as conjugo num mosaico míope, desfocado... sou impressionável e impulsivo - jogo tintas de cores novas sobre a tela esperando harmonia e complexidade crescente. O problema é que tintas de bases diferentes arruínam o quadro (um amigo pintor me disse que materiais diferentes oxidam em tempos diferentes, e se uma cor oxida primeiro, destrói o quadro).

Espere, estou misturando coisas.

A questão é que sofro da angústia sobre o papel em branco - ou da tela (do computador) em branco, sendo que o problema real é a "mente em branco". O que me diferencia dos escritores é que não cumpro a segunda fase, não sei o que é experimentar o tal fluxo. E pago o preço por acreditar nisso que eu mesmo, acima, reconheci como sendo um mito do ato de criar.

A primeira vez que lí Dostoiévski completo (ou seja, não era uma versão de bolso de Crime e Castigo, que me caiu nas mãos lá pelos 12 ou 13 anos) foi numa edição da José Olympio de O Idiota. A nota introdutória descrevia como o romance fora composto: o gigante russo fizera oito (sim, oito) versões do romance - e cada uma delas poderia ser um romance diferente... e em carta a um sobrinha, dissera que, ainda assim, "não havia chegado à forma final pretendida".

Vejamos: 8 X 500... bom, pelo menos 4.000 páginas de trabalho. Provavelmente pouco tempo sobrava para "angústias ante a brancura do papel", e uma insatisfação pungente demais para que se possa falar de "mediação do fluxo", ou psicografia.

Apesar de ser notória a existência nomes que escreveram cedo, e antes de passada a juventude completaram suas obras (nada produzindo mais tarde ou morrendo antes disso), os nomes que figuram mais alto parecem ser daqueles operários da escrita (como diria Tom Zé). No final, os gênios se confundem com os obstinados. E gente como eu, pouco afeita à insistência, teimosia e necessidade neurótica de alcançar perfeições, prefere se agarrar à fantasia da "mão escrava" (como a de Chico Xavier), ou ao fatalismo de crer não estar elencado entre os bem aventurados visitados pelas Musas.

Mas se minha Bíblia está certa, ela diz que D'us criou com trabalho, que seu Filho aprendou pelo que passou e colhe frutos de seu penoso trabalho. E se o Filho é Palavra, também é, d'algum modo, trabalho. A falta de idéias parece ser o problema sempre presente onde há pouco labor.

Então, quando der vontade de escrever, ou quando faltar idéias, só há uma coisa a fazer: trabalhar, trabalhar, trabalhar.