...cuja altura era de sessenta côvados.
Quanto a indústria do cigarro tornou-se persona non grata nos Estados Unidos, por volta do final dos anos 80 e durante os 90, quando fumantes e o Estado moveram ações indenizatórias que pediam reparações por danos morais e à integridade física, e pelos prejuízos causados à saúde pública; no auge dessa "derrocada", o diretor Michael Mann apareceu com "O informante" (The Insider, EUA, 1999).
Mais do que um filme-denúncia contra a indústria tabagista, permeada por alguma ilustração do jornalismo atrelado a interesses corporativos, "O informante" é uma fábula sobre a condição do homem - não na modernidade contemporânea, mas em qualquer tempo. Uma tragédia. Por vezes, as tragédias (gregas) trataram de casos em que um homem, ser finito que deve se conformar com seu destino, se revolta contra sua condição, rompendo com a ordem divinamente estabelecida (lembrando que ordem social, religiosa fazem partes da divida ordenação do mundo), ascendendo a um outro nível, maior que aquele em que devem viver os homens. Essa atitude constitui-se, por outro lado, uma ofensa aos deuses, e sempre é punida (claro, senão, não teríamos uma tragédia...).
Os gregos deram o nome de hubris (ou hybris) para esse comportamento. A hubris era o rompimento da "clausura" ocupada por cada homem no tecido ordenado do mundo (lembra que a vida de um homem é representada por um fio ou linha manipulado pelas Moiras - as impassíveis fiadoras do destino?); portanto a hubris era hamartia (erro), que, por conseguinte, provocava nemesis (destruição). Como era um ato destrutivo contra a ordem, a hubris determinava a própria desgraça do personagem nas tragédias. Os homens estavam sempre debaixo dessa tensão aterradora entre intentar contra a ordem e os deuses e causar sua própria ruína.
Em "O informante" temos uma reedição do mesmo modelo narrativo da tragédia grega: homens lutam e desafiam potências soberanas que estão além de suas forças, as Corporações. É uma batalha que, antes de começar está perdida. Ao confrontar essas forças, confrontam suas próprias posições, pondo-se em risco. E não resta outra escolha senão continuar, levando toda ação às últimas conseqüências, seja qual for o custo.
Mas não fazemos crítica de cinema aqui, muito menos ensaios comparativos. Nosso paradigma, e nome, é o contra senso. Pois bem, o que queremos realmente dizer é que o homem contemporâneo luta contra novas e terríveis forças, deuses e ídolos: nos altares do Mercado, as Coorporações estão entronizadas. Dominam, regulam e determinam a vida de seus súditos e servos. Sua onipotência, onisciência e onipresença se tornam mais absolutas na medida em que estabelecem e alargam seu templo profano (o mercado), destruindo os outros domínios e escravisando seus recursos para cumprir seus desígnios malígnos de dominação. Num sentido tillichiano (ajuda aê Guilherme!), são forças demoníacas - são pura destruição e desordem.
Durante muito tempo a internet foi livre. Era um "lugar" de liberdade. Veja que mesmo a frase anterior exemplifica o que queremos dizer: a web perverteu ou recriou o "topos", dobrou o espaço. Não pertencia a nínguém, (e melhor) a nenhum Estado. Ainda é assim. Mas, provavelmente, por pouco tempo. Como todo enclave livre, está ameaçado.
Em sua primeira década de vida civil, só os visionários enxergaram as potencialidades da internet. Essa qualidade coletiva, esse "é de todo mundo" afastou o mercado num primeiro momento - ele odeia o que não multiplica patentes, não rende royalties. O próprio Bill Gates e a Micro$oft custaram a levar a web a sério. Mas quando as possibilidades e vantagens ficaram claras para o Mercado e seu panteão coorporativo, iniciou-se o processo de demolição do bazar ou feira para transformá-los em mais um instrumento de dominação à serviço dos propósito dos ídolos mercadológicos.
Com os mesmos argumentos apresentados pelos cowboys e arautos das Co. para invadir países e depor governos (não estou falando necessarioamente de Iraque e etc., lembrem-se de Allende e do Chile em 73), sob as alegações de vandalismo e do aumento da ocorrência dos chamados cybercrimes, os supostamente maiores alvos dessas práticas reagiram e puseram em operação seus planos de domínio, em lugar de ordenação democrática. Segundo a Folha de São Paulo, através do Senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG) foi apresentado para votação um projeto de lei que exige a identificação de todo internauta antes de realizar operações que impliquem interatividade (como enviar um e-mail, criar blogs, etc.) - ou seja, virtualmente qualquer coisa na internet. Esse projeto foi resultado do forte lobby dos grandes potestades mercadológicas que se assenhoraram do Brasil: os bancos e operadoras de cartão de crédito.
Não bastasse a falta de investimento técnico, boa vontade e seriedade no atendimento ao consumidor e cidadão (veja: o site do Unibanco só opera em plataformas Windows - e eles ainda dizem que isso "é para a segurança do cliente"...), os bancos passaram por cima de todas as instâncias de discussão e calaram todas as outas esferas que têm, também, jurisdição sobre a questão e serão impactadas pela medida, caso a lei seja aprovada e sancionada. É evidente que essa lei não impedirá que cybercriminosos continuem a cometer delitos, uma vez que o que os detêm são sistemas de proteção eficientes, não registros, que são como senhas de identificação que podem ser quebradas ou ludibriadas. O maior prejudicado, intencionalmente ou não, é o próprio fluxo da rede. Imagine se esse blog começa a causar incômodos a alguma divindade ou a dizer coisas desinteressantes para ou sobre o governo ou quem quer que seja? Se isso acontecesse algum dia (dizer alguma coisa que realmente incomode), bastaria bloquear meu acesso. Ou fazer algo mais sutil: impedir que certos IPs tenham acesso a certar páginas... Enfim, as possibilidades de controle são muito grandes. Lembro-me que um amigo, que cursa direito, me contou que há anos atrás, no início da popularização da internet no Brasil, uma internauta que acessava a rede via AOL pediu um habeas corpus ao juiz, porque o provedor estava restringindo sua liberdade de ir e vir na internet (a AOL bloqueava arbitrariamente o acesso de seus usuários a determinadas páginas). Uma prévia interessente, não?
O mercado está desferindo um golpe para aumentar sua onisciência e controle. Mostra o poder de seu braço ao aniquiliar outras vozes. Demonstra a quem quiser ver, que tudo quer e tudo pode. Quem será agora, que coragem terá para provocar a "nemesis", para perturbar a ordem idólatra, mesmo que isso lhe custe a vida? Quem?
Nota: esse post deve muito de seu valor, se há algum, às conversas com o Guilherme, ao debate corrente na lista Kuyperiana e, sobretudo, a esse ensaio de Eduardo Valente sobre "O Informante". O título é uma referência a Daniel 3:1.
Mais do que um filme-denúncia contra a indústria tabagista, permeada por alguma ilustração do jornalismo atrelado a interesses corporativos, "O informante" é uma fábula sobre a condição do homem - não na modernidade contemporânea, mas em qualquer tempo. Uma tragédia. Por vezes, as tragédias (gregas) trataram de casos em que um homem, ser finito que deve se conformar com seu destino, se revolta contra sua condição, rompendo com a ordem divinamente estabelecida (lembrando que ordem social, religiosa fazem partes da divida ordenação do mundo), ascendendo a um outro nível, maior que aquele em que devem viver os homens. Essa atitude constitui-se, por outro lado, uma ofensa aos deuses, e sempre é punida (claro, senão, não teríamos uma tragédia...).
Os gregos deram o nome de hubris (ou hybris) para esse comportamento. A hubris era o rompimento da "clausura" ocupada por cada homem no tecido ordenado do mundo (lembra que a vida de um homem é representada por um fio ou linha manipulado pelas Moiras - as impassíveis fiadoras do destino?); portanto a hubris era hamartia (erro), que, por conseguinte, provocava nemesis (destruição). Como era um ato destrutivo contra a ordem, a hubris determinava a própria desgraça do personagem nas tragédias. Os homens estavam sempre debaixo dessa tensão aterradora entre intentar contra a ordem e os deuses e causar sua própria ruína.
Em "O informante" temos uma reedição do mesmo modelo narrativo da tragédia grega: homens lutam e desafiam potências soberanas que estão além de suas forças, as Corporações. É uma batalha que, antes de começar está perdida. Ao confrontar essas forças, confrontam suas próprias posições, pondo-se em risco. E não resta outra escolha senão continuar, levando toda ação às últimas conseqüências, seja qual for o custo.
Mas não fazemos crítica de cinema aqui, muito menos ensaios comparativos. Nosso paradigma, e nome, é o contra senso. Pois bem, o que queremos realmente dizer é que o homem contemporâneo luta contra novas e terríveis forças, deuses e ídolos: nos altares do Mercado, as Coorporações estão entronizadas. Dominam, regulam e determinam a vida de seus súditos e servos. Sua onipotência, onisciência e onipresença se tornam mais absolutas na medida em que estabelecem e alargam seu templo profano (o mercado), destruindo os outros domínios e escravisando seus recursos para cumprir seus desígnios malígnos de dominação. Num sentido tillichiano (ajuda aê Guilherme!), são forças demoníacas - são pura destruição e desordem.
Durante muito tempo a internet foi livre. Era um "lugar" de liberdade. Veja que mesmo a frase anterior exemplifica o que queremos dizer: a web perverteu ou recriou o "topos", dobrou o espaço. Não pertencia a nínguém, (e melhor) a nenhum Estado. Ainda é assim. Mas, provavelmente, por pouco tempo. Como todo enclave livre, está ameaçado.
Em sua primeira década de vida civil, só os visionários enxergaram as potencialidades da internet. Essa qualidade coletiva, esse "é de todo mundo" afastou o mercado num primeiro momento - ele odeia o que não multiplica patentes, não rende royalties. O próprio Bill Gates e a Micro$oft custaram a levar a web a sério. Mas quando as possibilidades e vantagens ficaram claras para o Mercado e seu panteão coorporativo, iniciou-se o processo de demolição do bazar ou feira para transformá-los em mais um instrumento de dominação à serviço dos propósito dos ídolos mercadológicos.
Com os mesmos argumentos apresentados pelos cowboys e arautos das Co. para invadir países e depor governos (não estou falando necessarioamente de Iraque e etc., lembrem-se de Allende e do Chile em 73), sob as alegações de vandalismo e do aumento da ocorrência dos chamados cybercrimes, os supostamente maiores alvos dessas práticas reagiram e puseram em operação seus planos de domínio, em lugar de ordenação democrática. Segundo a Folha de São Paulo, através do Senador Eduardo Azeredo (PSDB/MG) foi apresentado para votação um projeto de lei que exige a identificação de todo internauta antes de realizar operações que impliquem interatividade (como enviar um e-mail, criar blogs, etc.) - ou seja, virtualmente qualquer coisa na internet. Esse projeto foi resultado do forte lobby dos grandes potestades mercadológicas que se assenhoraram do Brasil: os bancos e operadoras de cartão de crédito.
Não bastasse a falta de investimento técnico, boa vontade e seriedade no atendimento ao consumidor e cidadão (veja: o site do Unibanco só opera em plataformas Windows - e eles ainda dizem que isso "é para a segurança do cliente"...), os bancos passaram por cima de todas as instâncias de discussão e calaram todas as outas esferas que têm, também, jurisdição sobre a questão e serão impactadas pela medida, caso a lei seja aprovada e sancionada. É evidente que essa lei não impedirá que cybercriminosos continuem a cometer delitos, uma vez que o que os detêm são sistemas de proteção eficientes, não registros, que são como senhas de identificação que podem ser quebradas ou ludibriadas. O maior prejudicado, intencionalmente ou não, é o próprio fluxo da rede. Imagine se esse blog começa a causar incômodos a alguma divindade ou a dizer coisas desinteressantes para ou sobre o governo ou quem quer que seja? Se isso acontecesse algum dia (dizer alguma coisa que realmente incomode), bastaria bloquear meu acesso. Ou fazer algo mais sutil: impedir que certos IPs tenham acesso a certar páginas... Enfim, as possibilidades de controle são muito grandes. Lembro-me que um amigo, que cursa direito, me contou que há anos atrás, no início da popularização da internet no Brasil, uma internauta que acessava a rede via AOL pediu um habeas corpus ao juiz, porque o provedor estava restringindo sua liberdade de ir e vir na internet (a AOL bloqueava arbitrariamente o acesso de seus usuários a determinadas páginas). Uma prévia interessente, não?
O mercado está desferindo um golpe para aumentar sua onisciência e controle. Mostra o poder de seu braço ao aniquiliar outras vozes. Demonstra a quem quiser ver, que tudo quer e tudo pode. Quem será agora, que coragem terá para provocar a "nemesis", para perturbar a ordem idólatra, mesmo que isso lhe custe a vida? Quem?
Nota: esse post deve muito de seu valor, se há algum, às conversas com o Guilherme, ao debate corrente na lista Kuyperiana e, sobretudo, a esse ensaio de Eduardo Valente sobre "O Informante". O título é uma referência a Daniel 3:1.
0 Comments:
Postar um comentário
<< Home