Sobre Mito e Realidade
Antes de iniciar o texto, cabe dizer que não se trata de uma resenha sobre o livro de Mircea Eliade, ou de considerações maduras sobre Lévi-Strauss - apesar de este e aquele serem citados ou estajam presentes aqui. Deveras, esse é um texto-resposta ao post Aforismos... de Marcel Camargo - ou um comentário longo demais para ser postado em seu blog. Portanto, não seria má idéia conferir o texto do Marcel.
O mito é o resultado da percepção de uma diferença insuperável, uma resposta estrutural da cognição humana para o problema da distinção, da antítese. O pensamento mitológico, então, fixa-se como uma tentativa de plasmar no entendimento uma distinção insuperável, sua orígem e "gestão" na realidade, tal como percebida. Se temos a liberdade de fazer (e, por que não?) um híbrido entre Lévi-Strauss e Weber (tomara que nenhum antropólogo profissional leia o que estou escrevendo), o mito constitui-se como um mapa cognitivo (como bem nos disse Marcel) que localiza distinções e estabelece relações, e que é sobreposto à realidade caótica (aqui temos Weber) sem qualquer ordem preestabelecida (essa forma ortográfica modernosa está no Houaiss) ou que a cognição humana seja capaz de compreender/perceber. Precisando, assim, lançar mão de mecanismos para que conhecimento e relação sejam possíveis - tanto no mundo da Natureza quanto no da Cultura -, é de posse desse aparato mental que o indivíduo, ou o sujeito da ação, pode atribuir sentido (compreender e ser compreendido).
Veja como é interessante a origem kantiana comum entre um estruturalista (Lévi-Strauss) e um hermeneuta (Weber). O mundo permanece alguma coisa da ordem do inefável e incompreensível - o que as estruturas da mente humana fazem é como escanear o terreno, traçar paralelas transversais e horizontais: como um mapa (bem nos disse o Marcel, outra vez). O sentido, portanto é fruto da atividade da estrutura ou aparelhagem humana - seja como produto da atividade coletiva, seja da interpretação do sujeito.
Resumindo toscamente: a realidade é incompreensível e inalcansável (está fora do escopo da razão); tudo sentido, ordem, distinção ou lógica são produtos da atividade cognitiva humana - e, como tal, "irreal": representação.
Ora, isso está embebido no pessimismo moderno sobre as possibilidade do conhecimento (seria Kant o primeiro pós-moderno? brincadeirinha...). Entretanto, discernir a fragilidade da razão humana, como bem o fizeram Locke, Hume, Kant, Schopenhauer, Kierkgaard, Heidegger e, ...bom, de Heidegger pra frente isso é consenso, e quase todo o staff concordaria com isso. Quanto a tragédia da racionalidade (que não pode atribuir sentido apropriado para tudo), ninguém melhor me vem à memória que Nietzsche e o supracitado Weber.
Concordando com a crítica moderna à razão, e com a visão pessimisma dos trágicos, teríamos apenas que discordar de sua solução: a resignação. Dela desdobra-se o que Weber chamou de pluralismo de valores, e dele, suas opções: um compromisso inabalável com o geist de uma esfera e seu esquema ético (a ética da responsabilidade weberiana), ou o relativismo estético (Weber faz menção, genialmente, à incapacidade do homem moderno de emitir juízos morais e éticos - ou de valor -, substituíndo-os por juízos estéticos: o mal, agora, é, no máximo, uma questão de gosto - mau gosto).
Do príncipe Míshkin (cf. O Idiota de Dostoiévski) a Rubem Alves todos exclamam: o belo salvará o mundo! O romantismo tentou reviver o poder criativo e verdadeiro do belo, da potência seminal do mito - ouça Wagner e tente não perceber isso. Bom, mas aí veio Duchamps, a musique concrète, etc.: a desconstrução do belo jogou-nos no abismo da indistinção, na incapacidade de exercer juízo, de atribuir sentido - na irracionalidade. Mas tudo estará assim, tão cuidadosamente desconstruído?
O mito é o resultado da percepção de uma diferença insuperável, uma resposta estrutural da cognição humana para o problema da distinção, da antítese. O pensamento mitológico, então, fixa-se como uma tentativa de plasmar no entendimento uma distinção insuperável, sua orígem e "gestão" na realidade, tal como percebida. Se temos a liberdade de fazer (e, por que não?) um híbrido entre Lévi-Strauss e Weber (tomara que nenhum antropólogo profissional leia o que estou escrevendo), o mito constitui-se como um mapa cognitivo (como bem nos disse Marcel) que localiza distinções e estabelece relações, e que é sobreposto à realidade caótica (aqui temos Weber) sem qualquer ordem preestabelecida (essa forma ortográfica modernosa está no Houaiss) ou que a cognição humana seja capaz de compreender/perceber. Precisando, assim, lançar mão de mecanismos para que conhecimento e relação sejam possíveis - tanto no mundo da Natureza quanto no da Cultura -, é de posse desse aparato mental que o indivíduo, ou o sujeito da ação, pode atribuir sentido (compreender e ser compreendido).
Veja como é interessante a origem kantiana comum entre um estruturalista (Lévi-Strauss) e um hermeneuta (Weber). O mundo permanece alguma coisa da ordem do inefável e incompreensível - o que as estruturas da mente humana fazem é como escanear o terreno, traçar paralelas transversais e horizontais: como um mapa (bem nos disse o Marcel, outra vez). O sentido, portanto é fruto da atividade da estrutura ou aparelhagem humana - seja como produto da atividade coletiva, seja da interpretação do sujeito.
Resumindo toscamente: a realidade é incompreensível e inalcansável (está fora do escopo da razão); tudo sentido, ordem, distinção ou lógica são produtos da atividade cognitiva humana - e, como tal, "irreal": representação.
Ora, isso está embebido no pessimismo moderno sobre as possibilidade do conhecimento (seria Kant o primeiro pós-moderno? brincadeirinha...). Entretanto, discernir a fragilidade da razão humana, como bem o fizeram Locke, Hume, Kant, Schopenhauer, Kierkgaard, Heidegger e, ...bom, de Heidegger pra frente isso é consenso, e quase todo o staff concordaria com isso. Quanto a tragédia da racionalidade (que não pode atribuir sentido apropriado para tudo), ninguém melhor me vem à memória que Nietzsche e o supracitado Weber.
Concordando com a crítica moderna à razão, e com a visão pessimisma dos trágicos, teríamos apenas que discordar de sua solução: a resignação. Dela desdobra-se o que Weber chamou de pluralismo de valores, e dele, suas opções: um compromisso inabalável com o geist de uma esfera e seu esquema ético (a ética da responsabilidade weberiana), ou o relativismo estético (Weber faz menção, genialmente, à incapacidade do homem moderno de emitir juízos morais e éticos - ou de valor -, substituíndo-os por juízos estéticos: o mal, agora, é, no máximo, uma questão de gosto - mau gosto).
Do príncipe Míshkin (cf. O Idiota de Dostoiévski) a Rubem Alves todos exclamam: o belo salvará o mundo! O romantismo tentou reviver o poder criativo e verdadeiro do belo, da potência seminal do mito - ouça Wagner e tente não perceber isso. Bom, mas aí veio Duchamps, a musique concrète, etc.: a desconstrução do belo jogou-nos no abismo da indistinção, na incapacidade de exercer juízo, de atribuir sentido - na irracionalidade. Mas tudo estará assim, tão cuidadosamente desconstruído?
Guardaremos aqui nossas dúvidas para outro eventual texto. Mas mesmo alguns dos ditos "desconstrutores" apontam para uma pedra fundamental, mas sem tantas pretenções quanto Descartes: a guardiã do discurso (senão da verdade) é alguma teologia. Em concordância com isso, temos os filósofos neocalvinistas como Dooyeweerd e Wolterstorff, que não são desconstrucionistas, mas críticos da racionalidade ocidental e proponentes de uma filosofia teísta e bíblica, dito grosseiramente.
Mas retornando ao tema do mito, uma posição biblicamente coerente diria que sua premissa está errada. Relembrando: o mito é uma ordenação humana/social da realidade caótica e uma tentativa de domesticação de diferenças insuperáveis - que se expressam em dualismos. Quanto ao dualismo, a crítica pode ser bem lida no mesmo Dooyeweerd, mas o que nos interessa aqui é que todo dualismo não corresponde à realidade e produz ídolos. Se os estudos do mito estão certos quanto à sua origem, o mito peca por um aspecto fundamental: a natureza, a cultura e o mundo não são caóticos. O mundo foi criado pelo Ser que é pessoal, moral, que o pré-ordenou e estabeleceu leis para os processos que por Ele são sustentados. E aqui, surpreendentemente, temos um aspecto verdadeiro no mito: a Natureza é moral. Moral porque não há uma ordem necessária na criação, antes, D'us a criou por um Pacto (os rabinos judeus quanto entraram em contato com a cultura helênica identificaram logo o princípio ordenador do mundo, o lógos, fazendo uma correção: o logos é a Torá - uma das coisas listadas entre as existentes antes da Criação, ao lado do Messias).
Escrever uma "mitologia cristã" nos parece ser uma tarefa impossível, ou uma incorreção, uma vez que não há mito - a ordenação e explicação não são humanas, sociológicas ou culturais. A própria crença num D'us Eterno, pré-existente à criação é o fim de todos o mitos - dito de outro modo: Genesis 1 não é um relato mítico, é a aniquilação do mito como modelo explicativo. O que resta é uma proximidade entre a ordem natural e ordem moral e ética - nisso encontramos um terreno comum. Devemos a isso, provavelmente, a proximidade estilística entre mitologia e a narrativa bíblica, entre mito e fantasia fantástica cristã.
O perigo que nos ronda, no entanto, é que uma percepção dessas proximidade entre mito e pensamento cristão seja contaminado pela crítica cínica da modernidade ao mito. O que é bastante irônico, uma vez que fora da tríade Criação-Queda-Redenção, todo λογοϛ trasmuta-se em μϋϑοϛ. Suspendendo, então, o premissa moderna da representação, de certa maneira, temos maior proximidade do pensamento mítico que do moderno quanto à natureza da realidade: há uma origem comum, uma "confusão", em relação à moralidade, ética e lei natural - são diferentes quanto aos princípios (são esferas de soberania diferentes), mas provenientes do mesmo vertedouro. Mas como não há como inferir ou deduzir a origem moral, ou melhor, como não há necessidade nenhuma, não há como, pelo lógos natural chegar à ontologia do Ser- não é possível fazer teologia natural. Como nas sociedade tradicionais, onde o conhecimento do mito de origem e fundação depende da transmissão de uma tradição, encontramos outra proximidade.
Tal como figura Lewis em "O retorno do Peregrino", a superação do abismo entre as terras caídas e a ilha da felicidade depende do conhecimento da origem e da narrativa da queda - de como a fissura surgiu. É preciso uma revelação especial, a qual não pode ser obtida pela Natureza - seja pela ausência da necessidade, seja pelo estado caído do homem. Foi preciso que o D'us pessoal, interferindo na história, entregasse a Narrativa, que foi e é mantida por uma Tradição. Sem o conhecimento dessa última, não há como compreender o Mundo, sua criação, queda e redenção - sem ela, nem mesmo há conhecimento verdadeiro.
É desconcertante, mas a questão é, em parte, relacioanada com possuir, ou estar inserido na Tradição correta - manter o maior número possível de conexões com a originalidade por desenvolvimentos ordotoxos. O fato confortante é que essa correção se comprova por resultados apropriados: em Deuteronômio, temos que pela manutenção da memória, pelo cumprimento das ordenanças se manterá a prosperidade, a boa vida - shalom (veja que ainda não está se falando de aspectos soteriológicos, mas de correta percepção da realidade e ação adequada e eficaz).
Bom, isso é um texto, um comentário grande. É melhor que aqui paremos, antes que tome ares de monografia - e isso não queremos antes que se siga longo debate. Cedo agora a tribuna aos demais. Conversemos, então.
3 Comments:
Cara seus escritos sempre me surpreendem... não que seja novidade sua envergadura espiritual e intelectual, mas me surpreendo sempre com o que vc escreve, há sempre algo que não se espera. ; )
Bem, lembrei-me do conceito de "perfeição" da Torá. Tamim, palavra usada quando Moisés descreve Noé "... homem justo e íntegro [perfeito]..." tamim (hb.) não ausência de erro, mas plenitude, entrega total, completude, ou seja um homem cuja vida este 'integralmente' (em todas suas dimensões) entregue ao governo de D'us.
Acabei de reler o texto. Além de erros de forma e errinhos de digitação, achei que ficou ruim... as idéias me pareciam mais lúcidas enquanto escrevia... a transferência não se deu de maneira satisfatória. Bom... é um monstro de texto. Ok!, vou resistir à tentação de modificar ou de excluir: que sirva de exercício, então.
"Um monstro". Se tivessemos maior intelecto utilizariamos uma palavra mais a altura, não?
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